Dra. ALINE STERQUE
Cardiologista
e-mail: alinesterque@hotmail.com
A DAC ou aterosclerose coronariana apresenta alta prevalência na população geral e possui considerável impacto de morbimortalidade. Um grande percentual de pacientes com DAC é internado com um quadro de SCA, o que leva a um gasto anual médio de 8,7 milhões de dólares no Sistema Único de Saúde (SUS). Destes, 70% são gastos com procedimentos de alta complexidade.
Fatores como envelhecimento da população, sobretudo em países em desenvolvimento, aumento da prevalência de obesidade, além dos fatores de risco clássicos para DAC, são responsáveis pela persistência e aumento da prevalência de tal condição.
A DAC possui causas multifuncionais. A redução da incidência da doença aterosclerótica passa pelo conceito do controle dos fatores de risco modificáveis, entre eles a hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM), dislipidemia, sedentarismo, obesidade, tabagismo, estes últimos em crescente importância com o desenvolvimento socioeconômico do País. Somando-se a isso a idade avançada, o sexo masculino e a história familiar para DAC, que constituem os fatores de risco não modificáveis.
No início da década de 50 foi realizado, nos EUA, um grande estudo epidemiológico para identificação dos fatores de risco de desenvolvimento de DAC e suas contribuições ao longo dos anos. O estudo Framingham Heart avaliou mais de 5000 indivíduos sem evidência clínica de DAC, com idade entre 30 e 62 anos, com seguimento ao longo dos anos, na pesquisa de desenvolvimento e suas manifestações. Deste estudo observacional foi criado um escore, conhecido como escore de Framingham, que é uma ferramenta útil para predição de desenvolvimento de DAC na população geral com fatores de risco coronarianos, permitindo atuação mais intensa na prevenção primária.
Dados epidemiológicos descrevem uma prevalência de 12 milhões de indivíduos portadores de DAS e destes, mais de 1 milhão desenvolvem um quadro de SCA, O estudo observacional e multicêntrico, Global Registry of Acute Coronary Events (GRACE) AVALIOU 11.543 pacientes com SCA em 14 países, demonstrando uma taxa de mortalidade de 7% no infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnível de segmento ST, 6% no IAM sem supradesnível de segmento ST e 3% na angina instável, permitindo avaliar a evolução da doença isquêmica do coração em cenários da vida real.
Santos et al estudaram 860 pacientes admitidos em uma unidade de emergência com diagnóstico de SCA com objetivo de avaliar as características basais da população atendida, a modalidade de apresentação da SCA, a indicação de cirurgia de resvascularização miocárdica (CRM) e angioplastia coronariana, assim como a mortalidade. A mortalidade neste registro brasileiro foi de 4,8% e não houve diferenças entre as síndromes com e sem supradesnivelamento do segmento ST.
A SCA pode se manifestar de diferentes formas quanto às suas manifestações clínicas e sobretudo eletrocardiográficas. As variações clínicas da SCA são: IAM com supradesnível do segmento ST (IAMCSST) – estas duas últimas compõem o espectro clínico das SCA sem supradesnível de segmento ST. Importante lembrar que cada uma dessas variações apresenta diferentes mecanismos, o que implica em diferenças em seu tratamento medicamentoso.
A aterosclerose possui um caráter de doença crônica, com seu início nas primeiras décadas de vida, seguindo-se ao longo dos anos, com desenvolvimento de suas complicações em estágios mais avançados da vida, o que explica a incidência maior de doenças cardiovasculares em idades mais avançadas.
A estrutura da artéria normal consiste em íntima, composta de uma camada de células endoteliais, da túnica média, composta em sua maioria de células musculares lisas e da adventícia, esta formada de fibras de colágeno. No conhecimento das camadas das artérias é importante saber que na camada íntima ocorre o processo de equilíbrio trombótico endotelial.
As células endoteliais da camada intimal são responsáveis por manter o sangue em estado líquido durante seu contato, portanto mantém a hoheostase vascular. O endotélio normal manifesta propriedades anticoagulantes, pro-fibrinolíticas e inibitórias das plaquetas. Esses mecanismos regulatórios podem sofrer alterações durante o desenvolvimento de doenças arteriais vasculares, predispondo a situações de maior trombogênese.
O processo de aterogênese propriamente dito inicia-se com o acúmulo de pequenas partículas de lipoproteínas na íntima, formando aglomerados. Esta formação é propensa a maior ocorrência de oxidação, componente importante da aterosclerose.
Outro mecanismo presente nesse processo é o recrutamento de leucócitos e o subsequente acúmulo. Estas células acabam por aderir ao endotélio, acumulam em seu interior e transformam-se em células espumosas.
O crescimento das lesões ateroscleróticas segue o padrão inicial de formação da placa para “fora” do lúmen, com incial manutenção da luz do vaso. Este fenômeno é conhecido como remodelamento positivo.
A diminuição0 do lúmem arterial inicia-se quando a placa já atingiu o ponto máximo de remodelamento positivo, estando o indivíduo totalmente assintomático nestas fases iniciais. A fase sintomática, em geral, após a redução da luz do vaso para cerca de 60%, manifesta-se muitas décadas após o início da lesão.
O substrato fisiopatológico da SCA consiste basicamente do resultado da ruptura da placa aterosclerótica levando à formação de trombo intraluminal, que pode obstruir totalmente o vaso, manifestando-se clinicamente como IAMCSST, ou ocluir parcialmente, levando ao IAMSSST ou à angina instável.
Sabe-se atualmente que muitos eventos coronarianos ocorrem em lesões que não eram necessariamente obstrutivas, isto é, não possuíam importante redução da luz do vaso. O evento implicado nestes casos é a ruptura da placa aterosclerótica, com subsequentes exposição de seu material lipídico (altamente trombogênico) e formação de trombos.
A placa aterosclerótica com maior risco de romper é aquela com importante teor líquido em seu interior, com presença de numerosas células gordurosa, isto é, macrófagos ricos em lipídios (células espumosas). A fina camada protetora endotelial também se constitui um importante fator de vulnerabilidade, que associado a fatores como aumento do estresse endotelial, permite que ocorra ruptura da placa aterosclerótica. Outro fator que parece ter ação na vulnerabilidade da placa é a reduzida presença de células musculares lisas, o que torna essa lesão propensa a ruptura.
A trombose é, portanto, o evento marcador da evolução da doença aterosclerótica crônica para a agudização, manifesta com SCA nos seus diversos espectros.
Após a ruptura da placa, a íntima também lesada, perde sua capacidade de manter hemostasia vascular, com a perda de sua capacidade antiagregante plaquetária. O mecanismo que se segue é a ativação da cascata de ativação e agregação plaquetária.
A cascata consiste em fases sucessivas, após exposição do material lipídico de uma placa aterotrombótica. A primeira dase consiste na adesão plaquetária, na qual as plaquetas circulantes reconhecem o local da lesão endotelial e aderem a este sítio, formando uma camadade células presas à camada íntima.
A adesividade da plaqueta ao endotélio vascular é medida principalmente pelo fator de von Willebrand (vWF), este sintetizado pelas células endoteliais e megacariócitos. Através dessa força gerad pela ligação desta proteína ao complexo plaqueta-endotélio, é possível que as plaquetas resistam à força de cisalhamento gerada pelo fluxo de sangue pelo local da ruptura da placa. O vWF liga-se à plaqueta através do receptor presente na glicoproteína (GP) Ib, esta presente na superfície da plaqueta.
Seguindo-se à adesão, ocorre a fase de ativação plaquetária. O processo de ativação plaquetária é dependente de diversos fatores, entre eles a participação de mediadores humorais, tais como a epinefrina, trombina, serotonina e difosfato de adenosina (ADP). As plaquetas já ativadas produzem uma série de produtos armazenados em seus grânulos citoplasmáticos, como o ADP, serotonina e o tromboxone A2 (TXA2), este último um potente ativador plaquetário e vasoconstrictor, com isso gerando uma retroalimentação na cascata de adesão-ativação plaquetária.
A agregação plaquetária, fase final desta cascata de formação do trombo plaquetário, é mediada também por todos esses produtos gerados nas fases anteriores (liberados dos grânulos citoplasmáticos). Nessa fase, o que ocorre é interação entre as plaquetas além do recrutameno local de outras plaquetas a este sítio de lesão endotelial. O fibrogênio e novamente o vWF atuam como ligantes das plaquetas nesta fase de agregação plaquetária, através da sua interação com os receptores de GP IibIIIa, sendo este receptor o mais abundante na superfície da plaqueta.
O conhecimento da biologia molecular e a participação de receptores e agonistas no processo de ativação da cascata de agregação plaquetária, bem como os processos deflagradores de tais mecanismos propiciou o desenvolvimento de novas classes medicamentosas com atuação em diferentes pontos desta cascata, com racional de utilização dentro de cada espectro clínico das SCA.
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