quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

INTERVENÇÕES CORONARIANAS PERCUTÂNEAS

Dra. ALINE STERQUE 

Cardiologista
e-mail: alinesterque@hotmail.com


Intervenções Coronarianas Percutâneas



O procedimento conhecido como angioplastia coronariana transluminal percutânea ou intervenção coronariana percutânea (ICP) foi realizada primeiramente em 1977, por Andreas Gruentzig, utilizando um cateter-balão para realização da desobstrução de lesões nas artérias coronarianas. Desde então este procedimento foi ampla e constantemente modificado com surgimento de novas técnicas que melhoraram a curto e longo prazos.

Ao longo das décadas observou-se que a taxa de oclusão aguda do vaso tratado logo após realização de ACTP por balão (5 a 8% dos casos) e recorrência do quadro anginoso, secundário e reestenose da lesão previamente tratada (15 a 30%) tornavam-se eventos desfavoráveis à evolução dos pacientes. No início dos anos 90 desenvolveram-se dispositivos com a intenção de redução da ocorrência destes desfechos, surgindo a primeira série de stents coronarianos.

Estes dispositivos teriam a função de manter um arcabouço de sustentação para a placa aterosclerótica, sendo o principal responsável pela melhora da sobrevida e morbidade dos pacientes submetidos a ICP. Soma-se à isso, a sempre importante curva de aprendizado de uma nova técnica inserida no arsenal terapêutico de uma doença, com resultados cada vez melhores em centros de grande e constante realização de tais exames.

Epstein et al recentemente publicaram dados de um estudo observacional realizado nos EUA, em diversos estados, onde observaram a mudança do padrão de realização de ICP ao longo do período de 2001-2008. Nos anos 2001-2002 foram realizados 501 (9%) angioplastias com balão, de um total de 3.827 angioplastia, no biênio 2007-2008, este número foi de apenas 117 (2%) de um total de 3.667. Portanto, o surgimento do stent coronariano definitivamente foi incorporado à prática clínica de lesões coronarianas por via percutânea.

Atualmente o uso do cateter-balão ficou restrito como coadjuvante no procedimento de ACTP com implante de stent, sendo utilizado para a dilatação da artéria a ser tratada, a realização da liberação do stent e a expansão do mesmo.

O primeiro stent coronariano expansivo por balão foi implantado por Sousa em colaboração com os idealizadores deste novo dispositivo, Júlio Palmaz e Richard Schatz em 1987, no Hospital do Coração de São Paulo. Este dispositivo pioneiro, com algumas modificações foi patenteado como stent de Palmaz-Schatz e a partir de 1991 foi liberado para uso na prática clínica no Brasil.

Em 1994 iniciou-se uma série de estudos randomizados nos EUA com implante de stents convencionais (conhecidos como “stent de metal”) que demonstraram a superioridade do implante deste dispositivo quando comparados à ICP realizada com balão, reduzindo drasticamente a oclusão aguda ocorrida imediatamente após dilatação da artéria com o balão (relacionada em alguns casos com a dissecção da artéria tratada) e as taxas de recorrência dos sintomas (estes relacionados a reestenose que ocorria naquelas lesões tratadas, que poderiam ser explicadas pelo recuo elástico da parede vascular deixando uma estenose residual média de 30-35% após o procedimento.

Em janeiro de 2.000 os stents coronarianos foram incorporados à lista de procedimentos reembolsados pelo SUS no Brasil. Mais de vinte modelos distintos de stents convencionais estão atualmente registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

No estudo de Epstein et al observou-se que no início dos anos 2.000 houve importante incremento do uso dos stents convencionais, uma vez que já havia quase uma década de uso e observações desta técnica. De uma população de 5.569 pacientes (pts) submetidos a revascularização do miocárdio (seja cirúrgica ou percutânea) no biênio 2001-2002, 3.827 pts (69%) foram submetidos a ICP, sendo indicada e realizada cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) em 1.742 pts 931%). Esta desproporção aumenta quando as duas técnicas são comparadas ao longo dos anosde 2007-2008, nos quais houve redução na realização de CRM (23%) e aumento na taxa de ACTP (77%), sobretudo devido ao desenvolvimento dos stents revestidos com drogas, os stents farmacológicos.

Observa-se, neste trabalho, uma taxa de redução nas CRM de 38% ao longo do período de 2001-2008,de 1.792 pts por milhões de adultos/ano (IC95%, 1663-1825) no período de 2001-2002 para 1.081 pts por milhões de adultos/ano (IC95%, de 1032-1133) nos anos de 2007-2008.

Após a realização da ACTP considera-se sucesso angiográfico uma estenose residual inferior a 50% da luz do vaso, com obtenção de fluxo sanguíneo normal. O sucesso clínico baseia-se na ausência de complicações durante o procedimento (morte, IAM ou CRM de urgência) e pela ausência de revascularização cirúrgica no período de 30 dias após o procedimento.

O uso rotineiro dos stents convencionais aumentou de forma considerável a taxa de sucesso angiográfico e clínico das ICP. Contudo, há umasérie de complicações que podem ocorrer durante e após o implante do stent, algumas de pequeno significado clínico e outras com importante impacto na morbimortalidade cardiovascular. O IAM peri-procedimento constitui-se na complicação mais comuns das ICP com implante de stent. É definido como uma elevação enzimática de três vezes ou mais no valor normal da fração MB da enzima creatinoquinase (CKMB) ou da troponina, sendo muitas vezes a única forma de diagnosticar tal condição.

As oclusões de ramos secundários constituem-se em outra complicação que pode ocorrer em 6% a 8% dos casos, principalmente quando a lesão tratada engloba uma bifurcação, com lesão na origem do ramo secundário. A consequência de tal complicação está ligada à importância anatômica deste ramo, dependente do território miocárdico que está sendo irrigado por ele. Atualmente há várias técnicas para redução desta complicação, como, por exemplo,a proteção do ramo secundário com uma corda guia que mantenha o vaso aberto durante a dilatação e colocação do stente na lesão-alvo.

A trombose constitui-se em complicação grave e temível após um implante de stent, seja ele convencional ou farmacológico, estando este último sob maior risco. Esta complicação, nas séries mais antigas com stents convencionais, ocorria de forma subaguda em  3,5% a 8,6% dos casos, sendo drasticamente reduzida para 0,5% a 1% com o advento da dupla antiagregação plaquetária com AAS e tienopiridínicos, como o clopidogrel.

O grande e maior problema relacionado a ICP com implante de stent convencional reside na reestenose intra-stent, cuja incidência varia de 15% a 41%.Vários fatores estão relacionados ao maior desenvolvimento de reestenose tais como: idade avançada, presença de DM, lesões extensas , tamanho total do stent - quanto maiores, maior a propensão a reestenose -, diâmetros reduzidos após implante do stent, e lesões na artéria coronariana descendente anterior.

O mecanismo fisiopatológico para este processo está relacionado a proliferação neointimal  excessiva que ocorre no interior do stent. Desta forma, após a redução da trombose de stent com a otimização da antiagregação plaquetária, tornou-se necessária uma nova estratégia, desta vez voltada para a redução do fenômeno da reestenose. Isso levou a criação dos chamados stents farmacológicos ou stents eluídos em drogas, que possuíam como racional a utilização de drogas que pudessem evitar a ocorrcia desta proliferação, agindo localmente no endotélio.

O primeiro estudo a testar a segurança e eficácia dos stents eluídos com drogas foi realizado no Brasil por Sousa et al, no Instituto Pazzanese de Cardiologia de São Paulo. Neste estudo, o primeiro stent farmacológico com a liberação de sirolimus foi implantado em dezembro de 1999. Foram estudados 30 pts portadores de DAC uniarterial tratados com este stent farmacológico e seguidos clínica e angiograficamente por até 48 meses. Não foi observado ocorrência de reestenose intra-stent em até dois anos de seguimento e apenas um paciente apresentou reestenose no segmento arterial tratado. Esse trabalho foi responsável pela viabilização deste dispositivo, estimulando os estudos que se seguiram nesta área. No início do ano de 2003esses stents foram aprovados para uso clínico nos EUA.

Os primeiros stents revestidos com drogas "antiproliferativas" foram o Cypher (revestido com sirolimus) e o Taxus (revestido com paclitaxel), sendo os de maior utilização em nosso meio até hoje.

O estudo RAVEL avaliou um total de 238 pacientes randomizados para o tratamento percutâneo com implante de stent farmacológico Cypher e outro grupo com stent convencional. Em um seguimento de seis meses não houve reestenose em nenhum dos pacientes tratados com Cypher. Já o grupo tratado com stent convencional apresentou taxa de reestenose de 26%. Foi realizada ainda uma subanálise coma avaliação através do uso de ultrassonografia intracoronária demonstrando uma redução de 90% na ocorrência de hiperplasia intimal quando comparado o grupo com stent farmacológico e o grupo com stent convencional, o que em última análise explica a taxa pequena de reestenose intra-stent nos dispositivos eluídos em drogas.

O stent Taxus possui como revestimento de sua malha interna a droga chamada paclitaxel, uma droga que previne a divisão celular, logo a proliferação das células do endotélio.O estudo TAXUS IV, comparou a eficácia do uso de stent eluído em paclitaxel quando comparado ao stent de metal. Foram avaliados 1.314 pts randonizados para os dois grupos. A necessidade de revascularização da lesão-alvoe a reestenose angiográfica foram significativamente menores menores nos pacientes que foram tratados com stent taxus.

Dados do trabalho de Epstein et al demonstram uma crescente utilização dos stents farmacológicos após sua liberação pelo Food and Drug Administration  (FDA) em 2003, com 2.040 pts por milhões de adultos/ano (38%) no período de 2003-2004 comparado com 1.557 pts por milhões de adultos/ano (29%) que foram submetidos a ICP com implante de stent convencional. No período de 2005-2006 a taxa de implante de stent farmacológico atingiu valores elevados de 65% versus 9% de pts que realizaram ICP com stent convencional, correspondendo ao período de maior utilização deste dispositivo. Como toda nova intervenção diagnóstica ou terapêutica, seguiu-se a este período de intensa utilização do dispositivo um momento de maior equilíbrio, provavelmente pelo fato de a comunidade médica identificar com maior clareza quais os grupos de pts que mais beneficiaram-se desta medida. No biênio 2007-2008 a taxa de utilização de stent eluído foi de 50% vs 25% do uso de stent convencional.

A trombose de stent ocorrida dentro das primeiras 24 horas de realização do procedimento é chamadamde aguda.Quando ocorrida entre 24 h e 30 dias,é caracterizada como subaguda. A trombose tardia ocorre no período de 30 dias até um ano e a trombose muito tardia além de um ano. Classificou-se ainda a presença de trombose como definitiva, quando há ocorrência de um quadro de SCA associada à cineangicoronariografia evidenciando trombose de stent ou avaliação anatomopatológica da presença de trombose. A trombose é considerada provável quando ocorre morte súbita nos 30 dias subsequentes ao implante de stent ou na ocorrência de IAM relacionado a artéria tratada - mesmo na ausência de confirmação angiográfica - e, possível, quando a morte súbita ocorre além dos 30 dias de procedimento.

Com a utilização da dupla antiagregação plaquetária e do conceito de utilização de altas pressões do balão para a realização da dilatação da artéria, as taxas iniciais de trombose de stent convencional caíram de 18%para < 1%, quando realizadas em lesões não complexas, sendo as lesões mais complexas responsáveis por 2% a 3% de trombose. Contudo, quando analisados os diversos estudos que avaliaram os desfechos de trombose tardia e ocorrência de eventos cardiovasculares maiores, como IAM ou morte, observou-se quehavia uma leve tendência dos stents farmacológicos em apresentarem trombose tardia. 

Um estudo comparou os stents revestidos com sirolimus (cypher) e com paclitaxel (taxus) aos stents convencionais. Observou-se a presença de trombose de stent definitiva ou provável em 1,5% dos stents revestidos com sirolimus contra 1,7% dos pacientes com stent convencional, com valor de p=0,70. A comparação com o stent revestido com paclitaxel observou umataxa de 1,8% de ocorrência de trombose contra 1,4% no grupo stent convencional com valor de p=0,52, em um seguimento de 4 anos.

A ocorrência de trombose de stent é multifatorial, podendo ocorrer devido a diversos fatores, como o mau posicionamento e má expansão do stent, lesões tratadas em bifurcações, stents de comprimentos longos, e a descontinuação da terapeutica antiagregante plaquetária dupa com AAS e clopidogrel, sendo este, o principal fator.

Os resultados de um estudo de Iakovou et al que tinha como objetivo a avaliação da incidência e preditores da ocorrência de trombose de stent farmacológico (cypher e taxus) e sua evolução clínica, observou que em um seguimento de 9 meses a taxa de trombose de stent foi de 1,3% no grupo de stent revestido com sirolimus (cypher) e 1,7% no grupo de pacientes com stent revestido de paclitaxel (taxus). Na análise do tempo de ocorrência da trombose, 0,6% foram classificados como trombose subaguda (ocorrida após 24 horas do procedimento até 30 dias) e 0,7% como trombose tardia (ocorrida após 30 dias do procedimento até 1 ano). Na análise multivariada, foram identificados como preditores de ocorrència de trombose a descontinuação da dupla antiagregação plaquetária (HR, 89,78;95 IC, 29,90-269,60; p>0,001), lesões en bifurcações (HR, 6,42; 95% IC, 2, 93-14,07; p<0,001), insuficiência renal (HR, 6,49; 95% IC, 2,6-16,15; p<0,001), DM (HR, 3,71; 95% IC, 1,74-7,89; p<0,001), e baixa fração de ejeção do ventrículo esquerda a cada 10% de decréscimo (HR, 1,09; 95% IC 1,05-1, 36; p<0,001).











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