sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

TESTE DE MEDIDA DA AGREGAÇÃO PLAQUETÁRIA

Dra. ALINE STERQUE 

CARDIOLOGISTA

e-mail: alinesterque@hotmail.com

A participação da cascata de ativação plaquetária já é bem estabelecida e conhecida no contexto clínico das SCA, como coadjuvante no processo aterotrombótico, bem como em outras síndromes isquêmicas como acidentes cérebrovasculares e doença arterial periférica.

Diversos fatores de risco cardiovasculares e marcadores prognósticos podem ser mensurados e avaliados no contexto clínico. A mensuração da função plaquetária em resposta às drogas antiagregantes pode vir a ser importante instrumento para identificar pacientes não respondedores ao clopidogrel, com isso permitiriam um ajuste da terapêutica instituída - por exemplo, aumento da dose do clopidogrel, administração em ataque ou substituição por outras drogas. Alem disso, poderia ser útil na monitorização da eficácia terapêutica, o que possibilitaria administração de doses eficazes sem aumento no risco de efeitos colaterais temíveis com este grupo de fármacos, como o sangramento.

Estudos iniciais demonstraram, com diversas técnicas de medida da função plaquetária, que há importante variabilidade individual na resposta antiagregante a estes fármacos, além de identificar os indivíduos que respondem de forma não adequada, atingindo níveis de inibição plaquetária muito baixos.

Os testes de medida de agregação plaquetária estão sendo amplamente testados no cenário de prevenção e na identificação de pacientes sob maior risco de ocorrência de eventos cardíacos maiores, sobretudo trombose após implante de stent.

Os testes mais conhecidos e estudados com esta finalidade são a agregometria óptica e o teste VerifyNow P2Y12(VN).


AGREGOMETRIA ÓPTICA


É realizada em um aparelho conhecido como agregômetro óptico, que consiste em um espectrofotômetro com comprimento de onda fixo. Uma amostra de sangue centrifugada é utilizada para análise, que servirá para separar o plasma rico em plaquetas (PRP), que caracteristicamente é turvo. A luz transmitida através da amostra turva é medida em comparação com a referência (branco). O agonista (ADP em concentrações distintas) é adicionado ao PRP e resulta na formação de crescentes agregados de plaquetas, o que leva ao clareamento do PRP e permite que mais luz passe pela amostra. Este aumento na transmissão da luz é diretamente proporcional à quantidade de agregação e é amplificada e gravada como um sinal em um registrador de papel ou digitalizado em um computador usando o software AGGRO/LINK*. A amostra deve ser coletada com o mínimo de trauma local e em um tubo de citrato de sódio. Deve-se colocar ainda uma amostra em EDTA para a realização de hematócrito e contagem de plaquetas.

O ADP, o ácido aracdônico, o colágeno, a epinefrina e a ristocetina podem ser utilizados como agonistas. Cada um desses agonistas fará a avaliação de um componente da cascata de ativação plaquetária, entretanto apenas o ADP é de interesse para avaliação da atividade do clopidogrel. O exame é identificado como ADP5 (concentração de 5 umol/L),ADP10 (10 umol/L) ou ADP20 (20umol/L) de acordo com a concentração do agonista.


TESTE VERIFYNOW P2Y12

É atualmente o mais estudado devido a sua facilidade de realização , consistindo em um método point of care. Os dispositivos de teste VN contêm câmaras de detecção com microesferas revestidas de fibrinogênio humano e do agonista específico. Quando as plaquetas são expostas a estas substâncias ocorre a agregação plaquetária de acordo com o número de receptores disponíveis, ou seja,a ação da droga está sob teste. O instrumento mede essa agregação através da transmitância de luz, que estará aumentada no caso de uma função plaquetária  normal e diminuída quando a inibição das plaquetas estiver ocorrendo. O resultado é expresso em unidades PRU (P2Y12 Reaction Unit).

A grande vantagem do VN comparado à agregometria óptica é sua fácil realização, com resultado em aproximadamente cinco minutos, sendo, portanto de fácil reprodutibilidade. A agregometria óptica é um exame de maior duração, extremamente dependente de um operador em várias etapas do exame. outra vantagem do VN sobre a agregometria ópica consiste no fato de que o VN é realizado em amostra de sangue total e não necessita de centrifugação.

Outros testes de medida de agregação plaquetária menos utilizados são plateletworks, Impact-R (espontâneo e estimulado pelo ADP), PFA-100, innovance  PFA P2Y e VASP, com poucos estudos que avaliaram suas eficácias neste cenário.

Somente no ano de 2010 surgiu um estudo que comparou diretamente o desempenho dos diversos testes de medida da agregação plaquetária na identificação de eventos após imjplante de stent. O estudo POPULAR (Comparasion of Platelet Funcion Tests in Predicting Clinical Outcome in Patients Undergoing Coronary Stent Implantation) inclui 1.069 pts submetidos a ICP em caráter eletivo, com implante de stents convencionais e farmacológicos. Este trabalho avaliou o desempenho deuma série de testes para predizer a ocorrência de óbito de causas cadíacas, IAM e AVE não finais e trombose de stent no período de um após implante do stent.

Foram avaliados os seguintes testes: agregometria óptica (ADPS e ADP20, Verify|Now P2Y12, Impact-R (espontâneo e estimulado pelo ADP), PFA-100, innovance PFA P2Y. Apenas quatro testes foram capazes de predizer evento, que foram os testes de agregometria óptica (ADPS e ADP20), VerifyNow P2Y12 e plate letworkis.

Importante destacar que no estudo POPULAR o valor considerado como não respondedor ao clopidogrel foi de 42,9% quando avaliado o ADPS, com valor da área sob a curva (AUC) de 0,63 (IC 95% de 0,58 a 0,68) e 64,5% quando avaliado o ADP20, com AUC de 0,62 (IC 95% a 0,56 a 0,67).

Na análise pelo ADPS a taxa de ocorrência de desfechos primários foi de 6% versus 11,7% (OR 2.09, IC 95% 1.343.25; p<0,oo1) para os pacientes com ADPS<42,9% e >42,9%, respectivamente. Na avaliação do ADP20 os desfechos primários ocorreram em 6,2% versus 12% (OR 2.05; IC 95% 1.32-3.19; p=0,001 quando avaliados os pacientes com ADP20<64,5% e >64,5%.

O teste VNP2Y12 também foi capaz de predizer tais eventos, com AUC de 0,62 (IC 95% 0,57-0,67). para um corte 236 PRU. As taxas de eventos foram 5,7% e 13,3% para pacientes abaixo e acima desse vakir 9OR 2.53; IC 95% 1.63-3.91; P=0,001).











quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

DOENÇAS CARDIOVASCULARES - INTRODUÇÃO

Dra. ALINE STERQUE 

Cardiologista
e-mail: alinesterque@hotmail.com

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte nos países ocidentais. Nos Estados Unidos,cerca de 12 milhões de pessoas apresentam doença arterial coronariana (DAC) e destes, um milhão desenvolvem uma síndrome coronariana aguda (SCA).

O tratamento da DAC pode ser dividido em medicamentoso, cirúrgico (revascularização miocárdica) e percutâneo. O tratamento percutâneo foi realizado pela primeira vez em humanos por Andreas Gruentzig em 1977. O procedimento consistia na utilização de um balão, que ao ser inflado no local da estenose coronariana, promovia a correção dessa lesão. Apesar dos resultados animadores, logo essa técnica apresentou um inconveniente - as lesões voltavam a estenosar com frequência. Para tentar solucionar esse problema, foram desenvolvidos no início da década de 90, dispositivos usados para ancorar a lesão e com isso reduzir as taxas de reestenose. Esses dispositivos - hoje conhecidos como stents convencionais - realmente reduziram a incidência de reestenose, mas não a um nível ideal. 

Em 2003, novos stents foram introduzidos no mercado. Essa geração de stents apresentava uma característica revolucionária - eles eram eluídos em drogas, como sirolimus e paclitaxel, que reduziam a proliferação neointimal, diminuindo significamente a taxa de reestenose. Esses stents foram chamados de stents farmacológicos.

Se por um lado, os stents farmacológicos atenuaram o problema da reestenose, uma nova complicação surgiu em virtude dessa lenta reepitelização. A trombose intra-stent tornou-se um problema importante, já que levava a quadros dramático de SCA e morte. Para combatê-la fez-se necessária a utilização de drogas antiagregantes plaquetárias, bloqueando-se o sistema através de diferentes vias. As drogas classicamente utilizadas para esse fim são o ácido acetil salicílico(AAS) e o clopidogrel, constituindo a chamada dupla antiagregação plaquetária.

Apos o implante de um stent farmacológico, é mandatório o uso de AAS e clapidogrel, por um período mínimo de um ano. A eficácia antiagregante dessas drogas pode ser avaliada por testes de agregação plaquetária. O AAS pode ser avaliado por uma série de testes, sendo os mais utilizados a agregometria óptica, que mede a atividade da adenosina difosfato (ADP), e o teste point of care Verify Now.

Com a utilização desses testes nesse cenário, observou-se que 4% a 40% dos pacientes em uso do clopidogrel não apresentam antiagregação plaquetária em níveis ideais. Esses pacientes passaram a ser conhecidos como não respondedores ao clopidogrel, considerando-se o critério laboratorial.A atenção da comunidade médica voltou-se, então, para os testes de agregação plaquetária, pois muitas dúvidas persistem. Não se sabe ao certo, qual a repercussão da identificação dos pacientes mal antiagregados na incidência de desfechos clínicos em longo prazo. Além disso, não se sabe qual o valor de corte ideal para identificar os pacientes mal antiagregados e qual seria o melhor momento para realização da medida de agregação plaquetária. E finalmente, a melhor estratégia para manusear estes pacientes não está definida.


DROGAS TIENOPIRIDÍNICAS

Dra. ALINE STERQUE 

Cardiologista
e-mail: alinesterque@hotmail.com

Houve surgimento de novas drogas antiagregantes plaquetárias, o grupo dos tienopiridínicos, inicialmente utilizaas na prática clínica como alternativa ao uso do AAS, quando havia contraindicação para tal droga.

O grupo medicamentoso dos tienopiridínicos tem como representantes a tieclopidina, o clopidogrel e mais recentemente o prasugrel. São fármacos que bloqueiam a cascata de agregação plaquetária por atuarem como antagonistas do ADP sobre os receptores das plaquetas (principalmente o componente P2Y12), portanto agem em sítio diferente ao do AAS.

Esse bloqueio à agregação plaquetária atua ainda em outras vias, como por exemplo a mediada pelo fator de Von Willebrand, que reduz o nível de fibrinogênio circulante e bloqueia parcialmente o receptor de GPIIbIIIa, em menor intensidade.

Clopidogrel e Ticlopidina

Assim como o bloqueio da COX pelo AAS, a ação dessas drogas nos receptores de ADP também é irreversível, durando aproximadamente a meia-vida das plaquetas. O início de ação desta classe medicamentosa é dependente da dose inicial e tempo de duração de sua administração. A ticlopidina tem um início de ação mais lento que o clopidogrel.

Quando administradas doses elevadas de clopidogrel - conhecidas como doses de ataque - é possível atingir a inibição máxima das plaquetas em até duas horas, caso seja administrada a dose de 600 mg, atualmente no momento do implante de stent em um paciente sem uso previsto da droga. A dose diária de 75mg necessita de 4 a 5 dias paraatingir seu efeito máximo, enquanto a dose de ataque de 300 mg atinge esse objetivo com 4 a 6 horas.

A ticlopidina atualmente é pouco usada na prática clínica, uma vez que possui muitos efeitos colaterais, muitos deles graves, tais como: náuseas vômitos, neutropenia, trombocitopenia, anemia aplástica e hipercolesterolemia. Esses efeitos colaterais tornam o uso da droga restrito, sendo necessária monitorização de hemograma a cada 15 dias, além de possibilitar uso máximo de 2 a 3 semanas.

Seguiram-se vários ensaios randomizados que provaram o benefício do uso das tienopiridinas (ticlopidina e clopidogrel) associadas a AAS nas síndromes isquêmicas agudas, seja no aspecto clínico das SCA com supradesnível do segmento ST ou naquelas sem supradesnível do segmentoST. No contexto do IAMCSST, dois grandes ensaios clínicos (COMMIT e CLARITY) demonstraram que associação do clopidogrel ao AAS e à terapia de reperfusão (neste caso sendo utilizada a fibrinólise química com estreptoquinase e alteplase) trouse benefício na redução de desfechos clínicos desfavoráveis como IAM não fatal, necessidade de revascularização de urgência bem como melhora no resultado angiográfico.

A eficácia do uso do clopidogrel na SCA sem supradesnível de ST foi estabelecida no estudo Clopidogrel Angina to Prevent Recurrent Ischemic Event (CURE) no qual foram randomizados 12.562 pacientes nas 24 horas do início do quadro clínico para uso de AAS isoladamente (75 a 325 mg/dia) ou associado ao uso de clopidogrel (300mg na dose de ataque seguido de 75 mgna dose diária). A análise em um seguimento de nove meses evidenciou redução no desfecho primário (morte, IAM não fatal, necessidade de revascularização de urgência)de 11,4 % para 9,3%, comparado com o uso isolado de AAS. O clopidogrel também esteve associado a redução da incidência de isquemia grave ou refratária no período intra-hospitalar.

O benefício do clopidogrel neste estudo foi observado em todos os perfis de gravidade. Pacientes com TIMI RISK SCORE baixo, médio ou alto foram beneficiados, sendo o benefício progressivamente maior com o aumento do escore.

Portanto, a recomendação atual na SCA sem supradesnível de ST em relação à antiagregação plaquetária é a administração de AAS na dose de 162 a 325 mg (para obtenção dos efeitos da droga em minutos) associado ao clopidogrel na dose de ataque de 300 mg seguido por 75 mg/dia na ausência de contraindicação.

A angioplastia coronariana com implante de stent é uma terapêutica atualmente usada com bastante frequência na prática clínica, seja na condução de um evento isquêmico agudo ou de forma eletiva.

A angioplastia coronariana primária é a terapêutica de escolha em pacientes com IAM com supradesnível de segmento ST, sobretudo em pacientes com perfis de risco mais elevados (IAM de parede anterior, apresentação inicial como choque cardiogênico, insuficiência ventricular e presença de arritmias malígnas)

As drogas antiagregantes plaquetárias são obrigatórias em pacientes que são submetidos a angioplastia coronariana com implante de stent convencional ou mais recentemente com o advento dos stents farmacógicos e diferem apenas no tempo de administração da droga, este baseado no tipo de stent implantado e momento clínico no qual ocorreu o procedimento (na vigência de uma SCA ou deforma eletiva). Nesse grupo de pacientes que foram tratados com implante de stent a antiagregação plaquetária deve ser dupla, ou seja, deve ser administrado AAS associado a um tienopiridínico, e o clopidogrel é a droga mais estudada e de menos efeitos colaterais quando comparada com a tielopidina.

A importância desta medida deve-se ao fato de quehá importante taxa de trombose de stent convencional e sobretudo farmacológico quando essas drogas não são administradas e estas condição clínica possui altas taxa de morbimortalidade cardiovascular.

Nos pacientes que serão submetidos a angioplastia coronariana seja eletiva e sem tratamento prévio com antiagregantes plaquetários (perfil de pacientes contemplados nos estudos CREDO - Clopidogrel for the Reduction of Events During Observation - e PCI CURE) ou aqueles admitidos com SCA sem supradesnível de ST queserão revascularizados via percutânea no mesmo dia, a orientação é a administração de 600 mg de clopidogrel na dose de ataque, uma vez que nesta dosehá efeito máximo antiagregante em duas a três horas.

O tempo de duração do uso de clopidogrel após realização de ICO ainda não está bem estabelecido. As diretrizes atuais recomendam a manutenção da dupla antiagregação plaquetária no caso de implante de stent farmacológico por pelos menos um ano, caso não haja risco de sangramento maior. A duração do uso de clopidogrel em pts com implante de stent convencional, por serem menos trombogênicos, é de 30 dias, conforme orientação das primeiras diretrizes (caso não tenha ocorrido um eveno isquêmico agudo que resultou na ICP.

Os estudos CURE e CREDO demonstraram benefício com9 a 12 meses de manutenção do clopidogrel. Um estudo observacional demonstrou que a descontinuação do uso de clopidogrel após 6 meses da realização da ICP esteve associado a altas taxas de IAM e morte cardíaca no grupo de pacientes que receberam stent farmacológico em compaação com stent convencional.

Não houve neste trabalho diferença no desfecho primário de IAM e morte por causa cardíaca entre o grupo que se manteve com AAS e clopidogrel por mais de 12 meses e que tinham recebido stent farmacológico, em um seguimento de 2 anos. Contudo, ainda é necessário estudos com número maior de pacientes e poder estatístico para definição do tempo mínimo de manutenção de clopidogrel associado a AAS após implante de stent eluído em drogas.

Motivo de grande interesse atual é a presença e o conhecimento do mecanismo de resistência ao clopidogrel assim como a detecção prévia daqueles pacientes não respondedores a esta droga. Ter o conhecimento da condição de não respondedor a esta droga pode, muitas vezes, ser o fator limitante para escolha de uma determinada proposta terapêutica. Por exemplo, a estratégia de implante do stent farmacológico pode ser desencorajada visto o grande risco nesta população em desenvolver trombose intra-stent tardia, além da escolha de outras drogas com a finalidade de realização da plena antiagregação plaquetária.

A incidência de pacientes não respondedores ao clopidogrel é em torno de 4 a 40%. Essa porcentagem apresenta uma grande variação entre os estudos devido a grande heterogeneidade dos valores considerados ideais para critérios de respondedores à droga. Soma-se a isso o fato de termos uma série de exames disponíveis para a medida da agregação plaquetária, sem termos ainda um consenso de qual seria o método padrão-ouro para tal finalidade.

O nível de inibição plaquetária pelo uso de clopidogrel varia ainda de paciente para paciente, sendo a resposta individualizada. Essa variabilidade na resposta a antiagregação pode estar relacionada a fatores intrínsecos e extrínsecos, conforme demonstrados.

Prasugrel

Fármaco também pertencente ao grupo dos tienopiridĩnicos.Assim como o clopidogrel é uma pró-droga, necessita da conversão a metabólico ativo antes de agir bloqueando o receptor do ADP na superfície da plaqueta. Estudos iniciais que compararam este fármaco ao clopidogrel, demonstram que a inibição plaquetária com o uso de prasugrel foi mais intensa e rápida do que aquela atingida com o clopidogrel, mesmo quando em doses elevadas desta última.

Por ser um fármaco em uso há pouco tempo, ainda há uma série de questões a serem pesquisadas e observadas no cenário do mundo real. Recentemente foi publicado um estudo de Bonello et al que avaliou 301 pts que receberam dose de ataque de prasugrel após implante de stent, após um evento coronariano agudo, e tinha como desfechos a ocorrência de marte cardíaca, IAM e trombose de stent em um mês (subaguda). Observou-se que a curva de sobrevida livre de eventos foi melhor no grupo com medida de agregação plaquetária - neste trabalho avaliado pelo método VASP - em níveis considerados adequados, surgindo a hipótese de que no grupo de pacientes mal antiagregados este fármaco também teria menor eficácia.

Ticagrelor

Recentemente aprovado pelo FDA, é uma droga oral que pertence a classe medicamentosa das ciclopentiltriazolopirimidinas. Atua como um antagonista seletivodo receptor do ADP na plaqueta, com ação sobre o receptor ADP P2Y12, o que inibe a ativação e agregação plaquetárias mediadas pelo AFP.

Seu início de ação e extremamente rápido, relacionado à dose inicialmente administrada, e com pico de inibição da agregação plaquetária aproximadamente em torno de duas horas.

Este fármaco possui ação irreversível, com queda da sua concentração plasmática em torno de 12 horas, o que o torna extremamente atraente, uma vez que esses pacientes podem ser submetidos a CRM sem aumento no risco de sangramento.

Seu potente efeito antiagregante parece estar relacionado ao bloqueio direto do receptor ADP  P2Y12 - impedindo a transdução do sinal da cascata de ativação plaquetária - e não só isoladamente no sítio de ligação do ADP, além de não sofrer interferências importantes de hidrolases e enzimas hepáticas. O ticagrelor, diferentemente do clopidogrel e prasugrel, já possui seu metabólico ativo, não necessita da ação da enzima CYP450.

O ensaio clínico PLATO avaliou 18.624 pts com SCA com ou sem supradesnível de ST e comparou o ticagrelor ao clopidogrel, no seu poder de redução de eventos cardiovasculares maiores. Houve maior redução de eventos no grupo em uso de ticagrelor, o que torna essa droga uma opção promissora, sobretudo naqueles pacientes não respondedores ao clopidogrel.

INTERVENÇÕES CORONARIANAS PERCUTÂNEAS

Dra. ALINE STERQUE 

Cardiologista
e-mail: alinesterque@hotmail.com


Intervenções Coronarianas Percutâneas



O procedimento conhecido como angioplastia coronariana transluminal percutânea ou intervenção coronariana percutânea (ICP) foi realizada primeiramente em 1977, por Andreas Gruentzig, utilizando um cateter-balão para realização da desobstrução de lesões nas artérias coronarianas. Desde então este procedimento foi ampla e constantemente modificado com surgimento de novas técnicas que melhoraram a curto e longo prazos.

Ao longo das décadas observou-se que a taxa de oclusão aguda do vaso tratado logo após realização de ACTP por balão (5 a 8% dos casos) e recorrência do quadro anginoso, secundário e reestenose da lesão previamente tratada (15 a 30%) tornavam-se eventos desfavoráveis à evolução dos pacientes. No início dos anos 90 desenvolveram-se dispositivos com a intenção de redução da ocorrência destes desfechos, surgindo a primeira série de stents coronarianos.

Estes dispositivos teriam a função de manter um arcabouço de sustentação para a placa aterosclerótica, sendo o principal responsável pela melhora da sobrevida e morbidade dos pacientes submetidos a ICP. Soma-se à isso, a sempre importante curva de aprendizado de uma nova técnica inserida no arsenal terapêutico de uma doença, com resultados cada vez melhores em centros de grande e constante realização de tais exames.

Epstein et al recentemente publicaram dados de um estudo observacional realizado nos EUA, em diversos estados, onde observaram a mudança do padrão de realização de ICP ao longo do período de 2001-2008. Nos anos 2001-2002 foram realizados 501 (9%) angioplastias com balão, de um total de 3.827 angioplastia, no biênio 2007-2008, este número foi de apenas 117 (2%) de um total de 3.667. Portanto, o surgimento do stent coronariano definitivamente foi incorporado à prática clínica de lesões coronarianas por via percutânea.

Atualmente o uso do cateter-balão ficou restrito como coadjuvante no procedimento de ACTP com implante de stent, sendo utilizado para a dilatação da artéria a ser tratada, a realização da liberação do stent e a expansão do mesmo.

O primeiro stent coronariano expansivo por balão foi implantado por Sousa em colaboração com os idealizadores deste novo dispositivo, Júlio Palmaz e Richard Schatz em 1987, no Hospital do Coração de São Paulo. Este dispositivo pioneiro, com algumas modificações foi patenteado como stent de Palmaz-Schatz e a partir de 1991 foi liberado para uso na prática clínica no Brasil.

Em 1994 iniciou-se uma série de estudos randomizados nos EUA com implante de stents convencionais (conhecidos como “stent de metal”) que demonstraram a superioridade do implante deste dispositivo quando comparados à ICP realizada com balão, reduzindo drasticamente a oclusão aguda ocorrida imediatamente após dilatação da artéria com o balão (relacionada em alguns casos com a dissecção da artéria tratada) e as taxas de recorrência dos sintomas (estes relacionados a reestenose que ocorria naquelas lesões tratadas, que poderiam ser explicadas pelo recuo elástico da parede vascular deixando uma estenose residual média de 30-35% após o procedimento.

Em janeiro de 2.000 os stents coronarianos foram incorporados à lista de procedimentos reembolsados pelo SUS no Brasil. Mais de vinte modelos distintos de stents convencionais estão atualmente registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

No estudo de Epstein et al observou-se que no início dos anos 2.000 houve importante incremento do uso dos stents convencionais, uma vez que já havia quase uma década de uso e observações desta técnica. De uma população de 5.569 pacientes (pts) submetidos a revascularização do miocárdio (seja cirúrgica ou percutânea) no biênio 2001-2002, 3.827 pts (69%) foram submetidos a ICP, sendo indicada e realizada cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) em 1.742 pts 931%). Esta desproporção aumenta quando as duas técnicas são comparadas ao longo dos anosde 2007-2008, nos quais houve redução na realização de CRM (23%) e aumento na taxa de ACTP (77%), sobretudo devido ao desenvolvimento dos stents revestidos com drogas, os stents farmacológicos.

Observa-se, neste trabalho, uma taxa de redução nas CRM de 38% ao longo do período de 2001-2008,de 1.792 pts por milhões de adultos/ano (IC95%, 1663-1825) no período de 2001-2002 para 1.081 pts por milhões de adultos/ano (IC95%, de 1032-1133) nos anos de 2007-2008.

Após a realização da ACTP considera-se sucesso angiográfico uma estenose residual inferior a 50% da luz do vaso, com obtenção de fluxo sanguíneo normal. O sucesso clínico baseia-se na ausência de complicações durante o procedimento (morte, IAM ou CRM de urgência) e pela ausência de revascularização cirúrgica no período de 30 dias após o procedimento.

O uso rotineiro dos stents convencionais aumentou de forma considerável a taxa de sucesso angiográfico e clínico das ICP. Contudo, há umasérie de complicações que podem ocorrer durante e após o implante do stent, algumas de pequeno significado clínico e outras com importante impacto na morbimortalidade cardiovascular. O IAM peri-procedimento constitui-se na complicação mais comuns das ICP com implante de stent. É definido como uma elevação enzimática de três vezes ou mais no valor normal da fração MB da enzima creatinoquinase (CKMB) ou da troponina, sendo muitas vezes a única forma de diagnosticar tal condição.

As oclusões de ramos secundários constituem-se em outra complicação que pode ocorrer em 6% a 8% dos casos, principalmente quando a lesão tratada engloba uma bifurcação, com lesão na origem do ramo secundário. A consequência de tal complicação está ligada à importância anatômica deste ramo, dependente do território miocárdico que está sendo irrigado por ele. Atualmente há várias técnicas para redução desta complicação, como, por exemplo,a proteção do ramo secundário com uma corda guia que mantenha o vaso aberto durante a dilatação e colocação do stente na lesão-alvo.

A trombose constitui-se em complicação grave e temível após um implante de stent, seja ele convencional ou farmacológico, estando este último sob maior risco. Esta complicação, nas séries mais antigas com stents convencionais, ocorria de forma subaguda em  3,5% a 8,6% dos casos, sendo drasticamente reduzida para 0,5% a 1% com o advento da dupla antiagregação plaquetária com AAS e tienopiridínicos, como o clopidogrel.

O grande e maior problema relacionado a ICP com implante de stent convencional reside na reestenose intra-stent, cuja incidência varia de 15% a 41%.Vários fatores estão relacionados ao maior desenvolvimento de reestenose tais como: idade avançada, presença de DM, lesões extensas , tamanho total do stent - quanto maiores, maior a propensão a reestenose -, diâmetros reduzidos após implante do stent, e lesões na artéria coronariana descendente anterior.

O mecanismo fisiopatológico para este processo está relacionado a proliferação neointimal  excessiva que ocorre no interior do stent. Desta forma, após a redução da trombose de stent com a otimização da antiagregação plaquetária, tornou-se necessária uma nova estratégia, desta vez voltada para a redução do fenômeno da reestenose. Isso levou a criação dos chamados stents farmacológicos ou stents eluídos em drogas, que possuíam como racional a utilização de drogas que pudessem evitar a ocorrcia desta proliferação, agindo localmente no endotélio.

O primeiro estudo a testar a segurança e eficácia dos stents eluídos com drogas foi realizado no Brasil por Sousa et al, no Instituto Pazzanese de Cardiologia de São Paulo. Neste estudo, o primeiro stent farmacológico com a liberação de sirolimus foi implantado em dezembro de 1999. Foram estudados 30 pts portadores de DAC uniarterial tratados com este stent farmacológico e seguidos clínica e angiograficamente por até 48 meses. Não foi observado ocorrência de reestenose intra-stent em até dois anos de seguimento e apenas um paciente apresentou reestenose no segmento arterial tratado. Esse trabalho foi responsável pela viabilização deste dispositivo, estimulando os estudos que se seguiram nesta área. No início do ano de 2003esses stents foram aprovados para uso clínico nos EUA.

Os primeiros stents revestidos com drogas "antiproliferativas" foram o Cypher (revestido com sirolimus) e o Taxus (revestido com paclitaxel), sendo os de maior utilização em nosso meio até hoje.

O estudo RAVEL avaliou um total de 238 pacientes randomizados para o tratamento percutâneo com implante de stent farmacológico Cypher e outro grupo com stent convencional. Em um seguimento de seis meses não houve reestenose em nenhum dos pacientes tratados com Cypher. Já o grupo tratado com stent convencional apresentou taxa de reestenose de 26%. Foi realizada ainda uma subanálise coma avaliação através do uso de ultrassonografia intracoronária demonstrando uma redução de 90% na ocorrência de hiperplasia intimal quando comparado o grupo com stent farmacológico e o grupo com stent convencional, o que em última análise explica a taxa pequena de reestenose intra-stent nos dispositivos eluídos em drogas.

O stent Taxus possui como revestimento de sua malha interna a droga chamada paclitaxel, uma droga que previne a divisão celular, logo a proliferação das células do endotélio.O estudo TAXUS IV, comparou a eficácia do uso de stent eluído em paclitaxel quando comparado ao stent de metal. Foram avaliados 1.314 pts randonizados para os dois grupos. A necessidade de revascularização da lesão-alvoe a reestenose angiográfica foram significativamente menores menores nos pacientes que foram tratados com stent taxus.

Dados do trabalho de Epstein et al demonstram uma crescente utilização dos stents farmacológicos após sua liberação pelo Food and Drug Administration  (FDA) em 2003, com 2.040 pts por milhões de adultos/ano (38%) no período de 2003-2004 comparado com 1.557 pts por milhões de adultos/ano (29%) que foram submetidos a ICP com implante de stent convencional. No período de 2005-2006 a taxa de implante de stent farmacológico atingiu valores elevados de 65% versus 9% de pts que realizaram ICP com stent convencional, correspondendo ao período de maior utilização deste dispositivo. Como toda nova intervenção diagnóstica ou terapêutica, seguiu-se a este período de intensa utilização do dispositivo um momento de maior equilíbrio, provavelmente pelo fato de a comunidade médica identificar com maior clareza quais os grupos de pts que mais beneficiaram-se desta medida. No biênio 2007-2008 a taxa de utilização de stent eluído foi de 50% vs 25% do uso de stent convencional.

A trombose de stent ocorrida dentro das primeiras 24 horas de realização do procedimento é chamadamde aguda.Quando ocorrida entre 24 h e 30 dias,é caracterizada como subaguda. A trombose tardia ocorre no período de 30 dias até um ano e a trombose muito tardia além de um ano. Classificou-se ainda a presença de trombose como definitiva, quando há ocorrência de um quadro de SCA associada à cineangicoronariografia evidenciando trombose de stent ou avaliação anatomopatológica da presença de trombose. A trombose é considerada provável quando ocorre morte súbita nos 30 dias subsequentes ao implante de stent ou na ocorrência de IAM relacionado a artéria tratada - mesmo na ausência de confirmação angiográfica - e, possível, quando a morte súbita ocorre além dos 30 dias de procedimento.

Com a utilização da dupla antiagregação plaquetária e do conceito de utilização de altas pressões do balão para a realização da dilatação da artéria, as taxas iniciais de trombose de stent convencional caíram de 18%para < 1%, quando realizadas em lesões não complexas, sendo as lesões mais complexas responsáveis por 2% a 3% de trombose. Contudo, quando analisados os diversos estudos que avaliaram os desfechos de trombose tardia e ocorrência de eventos cardiovasculares maiores, como IAM ou morte, observou-se quehavia uma leve tendência dos stents farmacológicos em apresentarem trombose tardia. 

Um estudo comparou os stents revestidos com sirolimus (cypher) e com paclitaxel (taxus) aos stents convencionais. Observou-se a presença de trombose de stent definitiva ou provável em 1,5% dos stents revestidos com sirolimus contra 1,7% dos pacientes com stent convencional, com valor de p=0,70. A comparação com o stent revestido com paclitaxel observou umataxa de 1,8% de ocorrência de trombose contra 1,4% no grupo stent convencional com valor de p=0,52, em um seguimento de 4 anos.

A ocorrência de trombose de stent é multifatorial, podendo ocorrer devido a diversos fatores, como o mau posicionamento e má expansão do stent, lesões tratadas em bifurcações, stents de comprimentos longos, e a descontinuação da terapeutica antiagregante plaquetária dupa com AAS e clopidogrel, sendo este, o principal fator.

Os resultados de um estudo de Iakovou et al que tinha como objetivo a avaliação da incidência e preditores da ocorrência de trombose de stent farmacológico (cypher e taxus) e sua evolução clínica, observou que em um seguimento de 9 meses a taxa de trombose de stent foi de 1,3% no grupo de stent revestido com sirolimus (cypher) e 1,7% no grupo de pacientes com stent revestido de paclitaxel (taxus). Na análise do tempo de ocorrência da trombose, 0,6% foram classificados como trombose subaguda (ocorrida após 24 horas do procedimento até 30 dias) e 0,7% como trombose tardia (ocorrida após 30 dias do procedimento até 1 ano). Na análise multivariada, foram identificados como preditores de ocorrència de trombose a descontinuação da dupla antiagregação plaquetária (HR, 89,78;95 IC, 29,90-269,60; p>0,001), lesões en bifurcações (HR, 6,42; 95% IC, 2, 93-14,07; p<0,001), insuficiência renal (HR, 6,49; 95% IC, 2,6-16,15; p<0,001), DM (HR, 3,71; 95% IC, 1,74-7,89; p<0,001), e baixa fração de ejeção do ventrículo esquerda a cada 10% de decréscimo (HR, 1,09; 95% IC 1,05-1, 36; p<0,001).











DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA


Dra. ALINE STERQUE
Cardiologista
e-mail: alinesterque@hotmail.com


A DAC ou aterosclerose coronariana apresenta alta prevalência na população geral e possui considerável impacto de morbimortalidade. Um grande percentual de pacientes com DAC é internado com um quadro de SCA, o que leva a um gasto anual médio de 8,7 milhões de dólares no Sistema Único de Saúde (SUS). Destes, 70% são gastos com procedimentos de alta complexidade.

Fatores como envelhecimento da população, sobretudo em países em desenvolvimento, aumento da prevalência de obesidade, além dos fatores de risco clássicos para DAC, são responsáveis pela persistência e aumento da prevalência de tal condição.


A DAC possui causas multifuncionais. A redução da incidência da doença aterosclerótica passa pelo conceito do controle dos fatores de risco modificáveis, entre eles a hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM), dislipidemia, sedentarismo, obesidade, tabagismo, estes últimos em crescente importância com o desenvolvimento socioeconômico do País. Somando-se a isso a idade avançada, o sexo masculino e a história familiar para DAC, que constituem os fatores de risco não modificáveis.

No início da década de 50 foi realizado, nos EUA, um grande estudo epidemiológico para identificação dos fatores de risco de desenvolvimento de DAC e suas contribuições ao longo dos anos. O estudo Framingham Heart avaliou mais de 5000 indivíduos sem evidência clínica de DAC, com idade entre 30 e 62 anos, com seguimento ao longo dos anos, na pesquisa de desenvolvimento e suas manifestações. Deste estudo observacional foi criado um escore, conhecido como escore de Framingham, que é uma ferramenta útil para predição de desenvolvimento de DAC na população geral com fatores de risco coronarianos, permitindo atuação mais intensa na prevenção primária.

Dados epidemiológicos descrevem uma prevalência de 12 milhões de indivíduos portadores de DAS e destes, mais de 1 milhão desenvolvem um quadro de SCA, O estudo observacional e multicêntrico, Global Registry of Acute Coronary Events (GRACE) AVALIOU 11.543 pacientes com SCA em 14 países, demonstrando uma taxa de mortalidade de 7% no infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnível de segmento ST, 6% no IAM sem supradesnível de segmento ST e 3% na angina instável, permitindo avaliar a evolução da doença isquêmica do coração em cenários da vida real.

Santos et al estudaram 860 pacientes admitidos em uma unidade de emergência com diagnóstico de SCA com objetivo de avaliar as características basais da população atendida, a modalidade de apresentação da SCA, a indicação de cirurgia de resvascularização miocárdica (CRM) e angioplastia coronariana, assim como a mortalidade. A mortalidade neste registro brasileiro foi de 4,8% e não houve diferenças entre as síndromes com e sem supradesnivelamento do segmento ST.

A SCA pode se manifestar de diferentes formas quanto às suas manifestações clínicas e sobretudo eletrocardiográficas. As variações clínicas da SCA são: IAM com supradesnível do segmento ST (IAMCSST) – estas duas últimas compõem o espectro clínico das SCA sem supradesnível de segmento ST. Importante lembrar que cada uma dessas variações apresenta diferentes mecanismos, o que implica em diferenças em seu tratamento medicamentoso.

A aterosclerose possui um caráter de doença crônica, com seu início nas primeiras décadas de vida, seguindo-se ao longo dos anos, com desenvolvimento de suas complicações em estágios mais avançados da vida, o que explica a incidência maior de doenças cardiovasculares em idades mais avançadas.

A estrutura da artéria normal consiste em íntima, composta de uma camada de células endoteliais, da túnica média, composta em sua maioria de células musculares lisas e da adventícia, esta formada de fibras de colágeno. No conhecimento das camadas das artérias é importante saber que na camada íntima ocorre o processo de equilíbrio trombótico endotelial.

As células endoteliais da camada intimal são responsáveis por manter o sangue em estado líquido durante seu contato, portanto mantém a hoheostase vascular. O endotélio normal manifesta propriedades anticoagulantes, pro-fibrinolíticas e inibitórias das plaquetas. Esses mecanismos regulatórios podem sofrer alterações durante o desenvolvimento de doenças arteriais vasculares, predispondo a situações de maior trombogênese.

O processo de aterogênese propriamente dito inicia-se com o acúmulo de pequenas partículas de lipoproteínas na íntima, formando aglomerados. Esta formação é propensa a maior ocorrência de oxidação, componente importante da aterosclerose.

Outro mecanismo presente nesse processo é o recrutamento de leucócitos e o subsequente acúmulo. Estas células acabam por aderir ao endotélio, acumulam em seu interior e transformam-se em células espumosas.

O crescimento das lesões ateroscleróticas segue o padrão inicial de formação da placa para “fora” do lúmen, com incial manutenção da luz do vaso. Este fenômeno é conhecido como remodelamento positivo.

A diminuição0 do lúmem arterial inicia-se quando a placa já atingiu o ponto máximo de remodelamento positivo, estando o indivíduo totalmente assintomático nestas fases iniciais. A fase sintomática, em geral, após a redução da luz do vaso para cerca de 60%, manifesta-se muitas décadas após o início da lesão.

O substrato fisiopatológico da SCA consiste basicamente do resultado da ruptura da placa aterosclerótica levando à formação de trombo intraluminal, que pode obstruir totalmente o vaso, manifestando-se clinicamente como IAMCSST, ou ocluir parcialmente, levando ao IAMSSST ou à angina instável.

Sabe-se atualmente que muitos eventos coronarianos ocorrem em lesões que não eram necessariamente obstrutivas, isto é, não possuíam importante redução da luz do vaso. O evento implicado nestes casos é a ruptura da placa aterosclerótica, com subsequentes exposição de seu material lipídico (altamente trombogênico) e formação de trombos.

A placa aterosclerótica com maior risco de romper é aquela com importante teor líquido em seu interior, com presença de numerosas células gordurosa, isto é, macrófagos ricos em lipídios (células espumosas). A fina camada protetora endotelial também se constitui um importante fator de vulnerabilidade, que associado a fatores como aumento do estresse endotelial, permite que ocorra ruptura da placa aterosclerótica. Outro fator que parece ter ação na vulnerabilidade da placa é a reduzida presença de células musculares lisas, o que torna essa lesão propensa a ruptura.

A trombose é, portanto, o evento marcador da evolução da doença aterosclerótica crônica para a agudização, manifesta com SCA nos seus diversos espectros.

Após a ruptura da placa, a íntima também lesada, perde sua capacidade de manter hemostasia vascular, com a perda de sua capacidade antiagregante plaquetária. O mecanismo que se segue é a ativação da cascata de ativação e agregação plaquetária.

A cascata consiste em fases sucessivas, após exposição do material lipídico de uma placa aterotrombótica. A primeira dase consiste na adesão plaquetária, na qual as plaquetas circulantes reconhecem o local da lesão endotelial e aderem a este sítio, formando uma camadade células presas à camada íntima.

A adesividade da plaqueta ao endotélio vascular é medida principalmente pelo fator de von Willebrand (vWF), este sintetizado pelas células endoteliais e megacariócitos. Através dessa força gerad pela ligação desta proteína ao complexo plaqueta-endotélio, é possível que as plaquetas resistam à força de cisalhamento gerada pelo fluxo de sangue pelo local da ruptura da placa. O vWF liga-se à plaqueta através do receptor presente na glicoproteína (GP) Ib, esta presente na superfície da plaqueta.

Seguindo-se à adesão, ocorre a fase de ativação plaquetária. O processo de ativação plaquetária é dependente de diversos fatores, entre eles a participação de mediadores humorais, tais como a epinefrina, trombina, serotonina e difosfato de adenosina (ADP). As plaquetas já ativadas produzem uma série de produtos armazenados em seus grânulos citoplasmáticos, como o ADP, serotonina e o tromboxone A2 (TXA2), este último um potente ativador plaquetário e vasoconstrictor, com isso gerando uma retroalimentação na cascata de adesão-ativação plaquetária.

A agregação plaquetária, fase final desta cascata de formação do trombo plaquetário, é mediada também por todos esses produtos gerados nas fases anteriores (liberados dos grânulos citoplasmáticos). Nessa fase, o que ocorre é interação entre as plaquetas além do recrutameno local de outras plaquetas a este sítio de lesão endotelial. O fibrogênio e novamente o vWF atuam como ligantes das plaquetas nesta fase de agregação plaquetária, através da sua interação com os receptores de GP IibIIIa, sendo este receptor o mais abundante na superfície da plaqueta.

O conhecimento da biologia molecular e a participação de receptores e agonistas no processo de ativação da cascata de agregação plaquetária, bem como os processos deflagradores de tais mecanismos propiciou o desenvolvimento de novas classes medicamentosas com atuação em diferentes pontos desta cascata, com racional de utilização dentro de cada espectro clínico das SCA.











quarta-feira, 30 de novembro de 2016

FÁRMACOS ANTIAGREGANTES PLAQUETÁRIOS

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Dra. ALINE STERQUE

e-mail: alinesterque@hotmail.com


Os fármacos antiplaquetários usados no manuseio de pacientes com DAC podem atuar por diversas vias da cascata da coagulação. A figura mostra os principais fármacos antiplaquetários.

ÁCIDO ACETILSALICÍLICO - AAS

Uma vez conhecida a fisiopatologia da SCA é possível compreender o importante papel dessa classe medicamentosa no seu arsenal terapêutico. Após o evento de ruptura da placa de aterosclerose e subsequente exposição material lipídico ocorre ativação de todos os mecanismos responsáveis pela formação local do trombo plaquetário. Assim sendo, um dos objetivos no tratameno da SCA é impedir a formação destes trombos, que podem ser oclusivos ou não, causando ou prolongando a isquemia miocárdia.

Importante lembrar que ao ocorrer a ativação da cascata de formação do trombo plaquetário, com sua fase inicial de adesão plaquetária, esta acaba por gerar e amplificar sinais de manutenção desta e de outras vias intrísecas de agregação ocorrendo uma retroalimentação do processo. Logo,é fácil compreender que a melhor estratégia para tal objetivo - bloquear a formação do trombo plaquetário - é aquela capaz de bloquear esta cascata em diferentes níveis. O bloqueio a uma fase desta cascata com o AAS, por exemplo, permite a ativação plaquetária por vias alternativas não bloqueadas.

O AAS foi sintetizado pela primeira vez sob a forma de pó por Felix Hoffman em 1897, sendo o medicamento mais conhecido e consumido em todo o mundo. Há relato da descrição por Hipócrates, no século V AC, do pó ácido da casca de salgueiro ou chorão- que contém salicilatos - para aliviar dores e a febre, sendo este o princípio ativo do fármaco. O AAS foi, ainda, o primeirofármaco da indústria farmacêutica a ser sintetizado e não retirado da natureza na sua forma final.

O AAS é representante da classe medicamentosa de anti-inflamatórios não hormonais e atua através da inibição permanente de enzima ciclooxigenase (COX), oque gera bloqueio na síntese de tromboxone A2 (TXA2) a partir do ácido aracdônico (AA) e ainda bloqueia a formação de prostaglandinas. O TXA2 liberado pelas plaquetas, é um importante mediador da amplificação da cascata de ativação plaquetária e aumenta o poder de agregação plaquetária A ação do AAS é irreversível, e seus efeitos perduram durante toda a meia-vida das plaquetas, em torno de 7 a 10 dias.

O AAS é prontamente absorvido no estômago e porções superiores do intestino delgado, tem início logo após sua administração- em torno de 15 a 30 minutos - motivo pelo qual deve ser administrado prontamente ao paciente frente a um quadro de SCA, já oferecendo seus benefícios de redução de mortalidade de forma precoce.

Inúmeros trabalhos mostraram benefícios da terapêutica antiagregante plaquetária, inicialmente apenas com o AAS. A associação do AAS ao uso de fibrinolítico gera redução significativa na taxa de mortalidade, o que também observou-se com seu uso isoladamente. Estes dados tornaram obrigatória a administração de AAS em todos os pacientes com IAMCSST, independentemente da terapêutica de abordagem - reperfusão química (com uso de trombolíticos) ou mecânica (através de ICP).

O uso de AAS na fase aguda do IAM esteve associado a redução significativa na incidência de reinfarto não fatal e acidente vascular encefálico (AVE) sem aumento no risco de sangramentos maiores ou AVE hemorrágico.

Com a compreensão da fisiopatologia da instabilidade da placa aterosclerótica, manifesta clinicamente como as síndromes coronarianas agudas (SCA) com a importante participação da cascata de ativação e agregação plaquetária, pode-se avaliar a importância do papel do bloqueio da agregação plaquetária neste grupo de pacientes.

Diversos outros ensaios clínicos randomizados estabeleceram o benefício do uso do AAS também nas SCA sem supradesnível de segmento ST. O estudo multicêntrico canadense comparou quatro estratégias terapêuticas em pacientes com SCA sem supradesnível do segmento ST:AAS na dose de 325 mg/dia, sulfinpirazona 200 mg/dia, combinação das duas drogas e placebo.O tratamento foi iniciado em até oito dias do início do quadro clínico com duração de 18 meses. O uso de AAS neste grupo de pacientes foi responsável pela redução de 71% da mortalidade cardiovascular e 51% de redução na taxa de eventos combinados como morte ou IAM não fatal quando comparado com placebo. Não houve benefício do uso de sulfinpirazona isoladamente ou em combinação com o AAS.

Baseado nestes e em diversos outros ensaios clínicos que se seguiram, a American Heart Association e o American College of Cardiology (AHA/SCC) recomendam o uso de AAS na dose inicial de 162 a 325 mg para todos os pacientes com apresentação clínica de IAMCSST ou SCA sem supradesnível do segmento ST, a menos que haja contra-indicação.

O AAS deve ser mantido indefinidamente como profilaxia secundária, naqueles pacientes que sobreviveram a um evento isquèmico miocárdicoagudo. A dose preconizada neste contexto,segundo orientação do AHA/ACC e 75mg a 162 mg/dia.

Cerca de 50% dos pacientes são não respondedores ao AAS. O conceito de resistência ao fármaco inicialmente surge como ocorrência de eventos cardiovasculares, como novo IAM, angina de peito e morte cardiovascular, estando o paciente em uso regular da droga em sua doce recomendada.

Um estudo avaliou 151 pacientes submetidos a ICP eletiva com 90% dos pacientes com implante de stents, que estavam em uso de AAS por pelo menos uma semana. Todos receberam clopidogrel na dose de destaque de 300 mg por pelo menos 12 a 24 horas do procedimento. Foram realizados testes de medida da atividade do ácido aracdônico, através do método de agregometria. Dezenove por cento dos pacientes apresentavam resistência ao AAS. Esse grupo apresentou elevação significativa da enzima cardíaca CKMB, comparando aos não resistentes (52% vs 25%), assim como da troponina (66% vs 39%).

A não responsividade ao AAS é uma realidade clínica, mas não há dados que sugiram que uma estratégia de pesquisa ativa desta possível resistência seja uma medida efetiva. A substituição do AAS por uma droga do grupo dos tienopiridínicos - ticlopidina - parece ser uma estratégia neste grupo de pacientes.